Quando muito novo, criança ainda, eu e minha família nos mudamos para os Estados Unidos. Passei grande parte da minha infância lá. Estudei, fiz amigos, criei laços (o tipo de laço que uma criança cria com aquilo que circunda seu universo infantil) e, um dia, retornei.
Quando você faz uma longa viagem ou muda-se para algum lugar, a recepção no retorno ao lar costuma ser grandiosa. As pessoas se mobilizam para te ver e ouvem suas experiências com atenção e bastante curiosidade (mesmo que você não queira falar delas).
É engraçado. Lembro-me de ouvir coisas, enquanto morava no exterior, do tipo “a gente sente muita saudade do nosso país né?”, “que saudade do Brasil!”, “que país estranho”, “aqui, as pessoas são muito frias”.
Recordo-me que sempre que nos juntávamos, nós, brasileiros, diziam-se essas coisas. Afinal, é muito complicado nascer em um lugar, ter sua identidade formada lá e migrar para outro. Quem te recebe está de braços abertos, desde que você se comprometa a adequar-se aos costumes dos hóspedes.
Quando me perguntavam (ou perguntam) sobre minha experiência no exterior, sinto-me coagido a expressar estranhamento com os costumes de lá.
Sou daqui e o que é diferente daqui é (ou deve ser) estranho, incomum, peculiar.
Acontece que, para mim, não foi bem assim. Devido à idade com que migrei do Brasil, não houve um sentimento de peixe fora d’água e, se houve, foi bastante insignificante e não compõe algo forte em minha memória. No retorno ao lar, sim. Quando retornei para cá tive um choque. Não diria que era um peixe fora d’água, mas um peixe fora do Planeta Terra, orbitando na atmosfera de Marte.
O sentimento de não pertencimento ao seu grupo de origem é estranho, desconfortável. Quando nos sentimos deslocados fora do nosso lugar de origem, por pior que seja, é esperado.
Houve uma ambivalência. Veja bem, retornei no início da pré-adolescência, uma fase onde buscamos a aceitação e damos os primeiros passos concretos no sentido de construir uma identidade que acreditamos ser individual, nossa.
Foi como uma bifurcação no meio da estrada. Mas eu, cabeça-dura do jeito que sou, insisti em pavimentar outra estrada, uma que estivesse entre os dois extremos.
E dessa forma eu continuei caminhando, procurando estar aberto ao novo, disposto a esquecer o velho (e a lembrá-lo também).
Assim, descobri que as pessoas têm muito em comum, independente da origem. Descobri que todos nós queremos sentir aceitação, pertencimento. Descobri que o nosso lar, a nossa casa, deve ser onde estamos hoje, com o reconhecimento de que só estamos aqui graças ao nosso passado, e que o passado sempre será uma parte de nós.
O importante mesmo foi entender que o sentimento de deslocamento (embora contribuído pelo cenário social) estava dentro de mim. A única coisa que podia fazer era continuar, e continuo.
E, dessa forma, eu sigo caminhando.
- Via da mão dupla, Luã Áquila.
Estranhar o familiar e familiarizar com o estranho, já diziam os antropólogos.
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