Como de costume, meu primeiro impulso ao acordar foi olhar-me no espelho. Um espelho grande que fixei na parede do meu quarto de tal forma que sempre me vejo nele ao acordar ou dormir. O mais importante é sempre olhar-se no espelho. E escolher em qual espelho olhar-se.
Até agora não me apresentei. Logo você irá entender o porquê. Tudo tem a ver com esse tal de espelho.
Sempre fui uma pessoa organizada. Vida organizada, quarto organizado, interior organizado. E o olhar-me no espelho nada mais era do que a constatação de ser uma pessoa organizada. A sensação de olhar-se e reconhecer cada milímetro de si, de encontrar na sua forma material o reflexo daquilo que você se propõe a ser é uma sensação deliciosa, do tipo “missão cumprida”.
Mal me recordo que dia era, apenas lembro de ter dormido até tarde. Acordei pouco depois do meio dia e, como de costume, fui olhar-me nesse tal espelho.
Não sei se você já saiu de casa tendo a certeza de não ter esquecido nada que precisava para, apenas no momento em que precisou de determinado objeto, reconhecer que o mesmo não estava junto a você. Daí vem aquela sensação momentânea – não costuma durar mais do que uma fração de segundo – de incerteza com a realidade. Tudo fica turvo. Nada é confiável. Tudo é nada e os limites da certeza e da cotidianidade são ampliados de maneira violenta.
Tinha a certeza, do fundo da minha alma, que o espelho estava intacto, afinal, antes de dormir, como de costume, olhei-me nele (e ele olhou de volta). Imagine o meu desespero ao acordar e deparar-me com os pequenos pedaços do que antes eram um espelho espalhados pelo chão.
Lembra de quando falei daquele sentimento de incerteza com a realidade? Pior ainda é a ambivalência entre acreditar em si ou aceitar-se louco. E foi o que naquele momento – por uma fração de segundo – senti.
Apesar de ter acordado tarde, não queria perder o dia e decidi deixar os cacos no chão, quebrados, destruídos.
Nesse dia eu não dormi em meu quarto; não queria encarar o espelho quebrado.
Após uma semana, enfim, juntei os cacos do espelho, coloquei-os em um saco preto de lixo, coloquei também a moldura do espelho, onde estava gravado meu nome, joguei o espelho fora.
Comprei cinco espelhos e fiz uma reforma em meu quarto: pus mais uma janela. Não me olho mais antes de dormir ou ao acordar. Abro as janelas na esperança do vento forte quebrar os espelhos, na esperança de uma desconstrução.
- [Novos] Hábitos, Luã Áquila.
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