quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Relojoeiro

A obsessão por janelas abertas despontou juntamente com o pavor de lidar com portas abertas. Portas devem permanecer fechadas! O tempo deve ser imóvel. A vida, em si, é dura, difícil. Mas quando imobilizamos o tempo, tudo é possível, tudo é suportável.

Por muito tempo, vinha policiando as portas constantemente. Afinal, a maresia estragava os móveis, a poeira entrava e a vida ia acontecendo. O medo do desconhecido, da vulnerabilidade perante a vida, tudo isso atormenta e nos coage a permanecer dentro de casa.

Observar, da janela da sala, a rua, com suas paisagens e pessoas transitando, sempre fora um hábito que tive. Geralmente, fazia isso só, acompanhado, por vezes, de uma xícara de café (que estava frio quando o bebia, pois, perdia-me observando o passar dos dias).

Tudo era leve, tudo era bonito, até mesmo quando era triste, era bonito. Tudo era seguro. Desde que, claro, as portas estivessem fechadas. Dessa forma, olhava para o mundo de uma distância confortável. Queria a brisa leve dos dias e não a ventania que acompanha um temporal.

Certo dia, perdido nas paisagens da vida, deparei-me com uma gaiola fixada na varanda de um apartamento do outro lado da rua, que dava de frente para minha janela. Dentro da gaiola havia um periquito, desses bem breguinhas que a gente costuma ver na casa das avós.

De repente, um vento forte planou violentamente na rua e a pequena gaiola caiu no chão, arrebentou-se e o periquito começou a voar. Em meu desespero, esqueci completamente do pavor de portas abertas e saí correndo de dentro de casa, deixando a porta largamente descerrada, e fui tentar resgatar o pequeno periquito. Não consegui.

Quando cheguei ao meio da rua escorreguei, caí, ralei os joelhos e os braços, quebrei os óculos, me feri. Ao retornar para casa, encontrei os móveis empoeirados, meus livros derrubados pelo vento e tive um sentimento de invasão.

Tive uma noite difícil e uma madrugada pior ainda.

No outro dia, após acordar, prontamente, fechei as janelas, abri a porta e saí, esperando ser pego, naquele dia, por um forte temporal.

- Relojoeiro, Luã Áquila.

Nenhum comentário:

Postar um comentário